terça-feira, 16 de março de 2010

Univesp: aspectos obscuros do programa de expansão do ensino público paulista

Danilo Enrico Martuscelli (Unicamp)

Introdução

A implementação de cursos de educação à distância (EaD) voltados para o ensino superior tem se difundido amplamente em nível federal com a Universidade Aberta do Brasil (UAB) e em nível estadual com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). É digno de nota que ambas políticas foram implementadas por meio de decreto, em 2006 e 2008, respectivamente, o que parece denotar que esses governos, de Lula e Serra, têm procurado centralizar e concentrar poderes na esfera do Executivo, anulando, assim, significativamente a competência legislativa do Congresso Nacional e da Assembléia Legislativa de São Paulo. Ambos governos querem resolver a política educacional na base da “canetada” e impedir a realização de uma discussão mais ampla dessa política com a sociedade. Isso só confirma uma característica básica dos regimes políticos que dão sustentação aos governos neoliberais no Brasil: a prática do autoritarismo civil, isto é, do modo de fazer política em que o executivo assume quase todas as funções legislativas e neutraliza, assim, os potenciais conflitos que poderiam surgir, caso a implementação da política econômica e social (a política educacional, por exemplo) fosse fruto de um debate mais amplo. Mas, por quais razões esses governos agem dessa maneira? No Estado de São Paulo, o governo Serra age dessa maneira, pois sua política educacional visa contemplar fundamentalmente os interesses dos grandes monopólios imperialistas que produzem as tecnologias de informação e comunicação requeridas pela educação à distância. Tratemos de detalhar brevemente o processo de criação da Univesp.
O Programa Univesp é uma iniciativa da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo e foi posto em funcionamento a partir da promulgação do decreto n. 53.536, de 9 de outubro de 2008. O Programa Univesp se apresenta tanto como um grande consórcio envolvendo as universidades públicas paulistas (USP, Unesp e Unicamp), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a Fundação do Desenvolvimento Administrativo Paulista (FUNDAP) e a Fundação Padre Anchieta, quanto um promotor da expansão das universidades públicas paulistas.
A previsão inicial é a de que o Programa Univesp se estruture em três diferentes módulos. O público-alvo do primeiro módulo são os professores da rede pública e privada do Estado de São Paulo, que lecionam no ensino infantil e fundamental. Dois cursos estão previstos nesse primeiro módulo: o de Licenciatura em Pedagogia, a ser oferecido pela Unesp, e o de Licenciatura em Ciência, a ser implementado pela USP. Já o segundo módulo tem o objetivo de contemplar outras licenciaturas como as de Matemática, Física. Química, Biologia e Língua Portuguesa. Tanto no primeiro quanto no segundo módulos, a intenção do governo é formar professores que possuem apenas ensino médio. O último módulo tem como público-alvo os professores que já possuem curso superior completo e prevê a criação de dois cursos de especialização: Especialização em Docência no Ensino Fundamental e Médio e Especialização em Gestão Escolar.
As diferentes análises produzidas até o presente momento sobre os possíveis impactos do Programa Univesp sobre a educação superior pública no Estado de São Paulo têm se dividido em dois grandes blocos, expressando, assim, a tônica do debate já existente em nível nacional sobre educação à distância. Para os defensores do Programa Univesp, essa iniciativa promoverá não só uma drástica redução do elitismo das universidades públicas estaduais, como também uma redução das próprias “desigualdades sociais e da pobreza”. Esse argumento nos leva a crer que atingiríamos graus de igualdade mais avançados, se as pessoas fossem apenas melhor “educadas”. O que é ignorado pelos apologetas da Univesp é que sem a mudança da política estatal vigente que é refratária à expansão da educação pública, não há redução do elitismo nas universidades. Já entre os críticos desse Programa, parece predominar o argumento segundo o qual a “qualidade” de ensino será assegurada fundamentalmente pelo ensino presencial, ou, então, pelo ensino semi-presencial com predomínio das aulas presenciais. Nessa perspectiva, se a educação à distância for concebida como um substituto do ensino presencial isso resultará inevitavelmente numa perda da qualidade do ensino oferecida pelas universidades públicas no Estado de São Paulo.
No debate sobre Univesp e EaD, um dos aspectos que precisa ser evidenciado é a diferença existente entre uma e outra. Dentro dessa perspectiva, observamos que é ilusório pensar que existe apenas um modelo ideal de EaD e que a representação cabal desse modelo é o Programa Univesp. Isso tem implicações políticas, pois à medida que as forças de oposição ao Programa Univesp se manifestem publicamente enquanto tal, o cuidado que tais forças devem ter para não cair no isolamento político é o de apresentar um programa alternativo de abertura de vagas na educação superior pública. Sem partir dessa premissa básica, as forças de oposição caminharão necessariamente para a defesa de uma política de conservação do elitismo estrutural que aflige as universidades públicas. Com ou sem educação à distância, as forças de oposição ao programa de educação à distância do governo Serra terão que construir com sabedoria essa plataforma de expansão da universidade pública, gratuita e de qualidade. Essa luta não é fácil de ser travada, pois o apelo social do Programa Univesp é poderoso. Para construir essa oposição ao Programa Univesp, faz-se necessário demonstrar os interesses ocultos que dão sustentação ao Programa Univesp para, em seguida ou concomitantemente, desenvolver um plano de medidas alternativas. Vejamos, primeiramente, algumas das idéias defendidas por intelectuais ligados ao PSDB sobre a política educacional no Estado de São Paulo.

A educação no Estado de São Paulo segundo a intelectualidade tucana

Por meio da leitura de documentos ou textos elaborados pelo governo estadual e da análise das intervenções públicas recentes de intelectuais tucanos na imprensa, somos informados (sic) que os alunos das universidades públicas são privilegiados; que o Programa Univesp visa reduzir a elitização das universidades públicas paulistas ao permitir por meio de tecnologias de informação e comunicação “o atendimento de certas parcelas da sociedade que têm sido impedidas de cursar regularmente cursos superiores”; e que a má formação dos professores da educação básica, alvo central da política de educação à distância do governo estadual, tem sido a principal responsável pelos baixos índices de rendimento da aprendizagem dos alunos, averiguados pelos sistemas de avaliação de ensino-aprendizagem da rede estadual de educação básica (vide dados do Sistema de Avaliação a Educação Básica – SAEB).
Primeiramente, é preciso ressaltar que a transformação do direito (acesso à educação superior pública) em privilégio não é uma invenção da intelectualidade tucana, mas apenas mais uma manifestação da doutrina neoliberal que sempre combateu os direitos sociais e trabalhistas, difundindo a idéia segundo a qual só o livre empreendedorismo individual faz a sociedade “evoluir”. Ou ainda, os intelectuais tucanos falam dos privilegiados, mas não mencionam o fato de que foi a própria política de redução de direitos sociais e de investimentos em educação pública, promovida pelos governos do PSDB, que acentuou esse processo. Na prática, quem se deu bem com essa história toda foi a nova burguesia de serviços, no caso aqui dos serviços educacionais, que surge como força social resultante da política de privatização direta e indireta dos serviços públicos. A partir dos anos de 1990, os tubarões da educação, como também é conhecida essa burguesia de serviços, passaram a galgar amplos espaços no mercado educacional e hoje faturam altos rendimentos com aplicações na Bolsa de Valores. Na verdade, é possível afirmar que a privatização do ensino superior tem ganhado uma grande dimensão, porque tem ocorrido pela via indireta, isto é, pelo estímulo à expansão do ensino privado em detrimento do ensino público, e, não propriamente pela privatização direta das universidades públicas.
Em segundo lugar, observamos que se, por um lado, o discurso da universidade pública elitizada faz alusão a um fato da realidade, por outro lado, esse discurso também ilude, à medida que omite as causas principais dessa elitização. Entendemos que há causas estruturais, uma vez que o acesso ao ensino superior No Brasil sempre esteve voltado para a formação de uma parcela mínima da população no país. Mas, há também causas conjunturais, visto que o modelo neoliberal, perpetrado pelos governos brasileiros ao longo dos últimos anos, promoveu uma drástica redução dos investimentos públicos na educação básica e superior, bem como permitiu o inchaço do setor privado, que foi contemplado inclusive com medidas mais conhecidas como antiinadimplência ou “salva tubarão”, como é o caso do Prouni. Tais componentes, a saber, a redução de investimentos públicos em educação pública e o estímulo ao crescimento do setor privado são fundamentais para a manutenção e ampliação do fenômeno do elitismo nas universidades públicas estaduais.
Por fim, para entender o argumento da má formação dos professores como causa fundamental da degradação da educação básica no Estado de São Paulo, é interessante retomar as manifestações públicas das intelectuais tucanas, Maria Helena G. de Castro e Eunice Durham, em entrevistas concedidas à Revista Veja. Nessas entrevistas, ambas endemonizaram os cursos de pedagogia existentes no país nas universidades públicas por considerá-los muito teoricistas e esquerdistas e pouco preocupados com a prática dos professores em sala de aula. As soluções apresentadas por elas para remediar a situação variavam entre a defesa da reformulação geral dos cursos de pedagogia à proposta de fechamento dos cursos existentes em universidades, como a USP e a Unicamp. Nenhuma palavra essas senhoras falaram sobre os cursos de pedagogia oferecidos pelo ensino privado. Isso só reforça a concepção privatista que possuem de educação. Nas mesmas entrevistas, Castro e Durham responsabilizaram os professores pela degradação da educação básica. Para as intelectuais tucanas, os professores possuem uma má formação educacional e esse era o problema central da educação básica.
Entendemos que o fato de haver um grande contingente de professores sem formação superior não quer dizer, de modo algum, que todos os problemas da educação básica se resumem à formação desses professores ou que essa seja a causa principal da degradação da educação básica no Estado de São Paulo. O que as tecnocratas tucanas omitem em suas manifestações na grande imprensa é a redução de investimentos em educação pública promovida pelos governos do PSDB nos últimos anos. Só para fornecer algumas evidências deste processo, de acordo com o Boletim de Conjuntura da Subseção DIEESE/ APEOESP, entre 2002 e 2007, os investimentos em educação no Estado caíram de 16,06% para 13,89% do orçamento total; a inflação registrada entre março de 1998 e outubro de 2008 foi de 101,94%, sendo que o reajuste do salário base dos professores foi de apenas 60,97% no mesmo período. Cabe dizer ainda que o governo estadual, em vez de promover um aumento real dos salários, optou pela política de bônus e gratificações para reduzir o impacto da perda do poder aquisitivo dos professores da rede estadual, mas, como é sabido, tais “benefícios” (sic) além de não contarem para o cômputo de aposentadoria, férias, décimo terceiro, FGTS etc., somados ao salário real, ficaram longe de atingir o nível de inflação apurado pelo DIEESE.
Em 2007, as perdas salariais dos professores da rede estadual de São Paulo chegaram até a ser motivo de atenção do jornal Folha de São Paulo que, comparando o salários do professores de São Paulo e do Acre, salientou que os primeiros ganhavam 39% a menos que os últimos e que se levasse em consideração o custo de vida dois estados, essa diferença se ampliaria para 60%.
O governo estadual também vem imprimindo uma lógica nefasta de precarização dos novos contratos dos professores da rede estadual, prova disso são os Projetos de Lei Complementar 19 e 20, recentemente apresentados pelo governo estadual. O PLC 19 é voltado para todo o funcionalismo público estadual, mas incide especificamente sobre os professores eventuais (substitutos de aulas em caráter de urgência nas unidades de ensino) e professores OFAs (que assumem as aulas livres durante o ano todo, mas que não são concursados). Com esse PLC, o governo Serra quer fazer imperar a lei da rotatividade e do trabalho instável, uma vez que passados 12 meses de contrato temporário, os eventuais ou OFAs terão que ficar 200 dias no “chuveiro” sem possibilidade de renovar o contrato. Já o PLC 20 prevê a criação da Escola de Formação de Professores. Assim, os novos concursos para professor efetivo e temporário serão compostos por duas etapas, ambas de caráter eliminatório: após passar pela primeira prova, os candidatos deverão fazer um curso de qualificação, a ser realizado no período de quatro meses, quando então será aplicada a segunda prova. Os professores que participarem do programa ganharão uma bolsa de 75% do salário inicial do docente (que variará de acordo com a jornada de trabalho). Aqueles que não atingirem a nota mínima na prova depois do curso não poderão dar aulas, mas exercerão atividades auxiliares. Trata-se aqui de um nítido ataque à estabilidade dos funcionários públicos que serão coagidos a passar por vários testes classificatórios e a receber rendimentos abaixo do salário base inicial que já é bastante reduzido.
Após indicar alguns aspectos centrais do modo tucano de fazer política educacional, tratemos de analisar os pontos obscuros do Programa Univesp.

Os pontos obscuros do Programa Univesp

A apresentação dos argumentos utilizados pela intelectualidade tucana para lidar com a educação pública no Estado de São Paulo é bastante útil para compreendermos em que lugar se encaixa a discussão sobre o Programa Univesp. Entendemos, assim, que esse Programa não pode ser compreendido como um elemento à parte da política educacional do governo Serra. O mesmo exercício de reflexão poderia ser feito para o debate acerca do Programa UAB do governo Lula, que não teremos condições de analisar aqui nesse texto.
Pois bem, o discurso supostamente progressista dos defensores do Programa Univesp pinta uma série de idéias mirabolantes e extravagantes que precisam ser minimamente questionadas. Devemos levar em consideração no embate de idéias que os argumentos, apresentados pela tecnocracia tucana, de defesa da “democratização” do acesso à universidade pública possuem forte apelo social e criam uma situação tal que qualquer um que se atrever a questionar esse projeto poderá ser confundido com um “privilegiado” que quer encontrar empecilhos para dificultar a concretização da suposta política de democratização da educação superior. Não podemos deixar de dizer que alguns dos que são contrários ao Programa Univesp, tomam essa posição, porque entendem, mesmo que inconscientemente, que a abertura de vagas na universidade pública pode resultar na desvalorização dos diplomas USP, Unicamp e Unesp no “mercado”. Isto é, alguns dos que falam em “qualidade” de ensino, estão temorosos com a perda do valor social do diploma. Isso não significa que não haja outros argumentos que podem ser apresentados para contestar a política educacional do governo estadual e sustentar uma efetiva política de defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.
Entre os aspectos obscuros relacionados à criação da Univesp, gostaríamos de chamar a atenção para quatro principais:
O primeiro aspecto obscuro do Programa Univesp tem relação com a sua proposta inicial de criar cursos de licenciatura e gestão escolar. Por que o governo Serra quis começar por esses cursos? Será que, por respeitar as intelectuais tucanas supracitadas, o governo estadual tem a intenção de neutralizar o papel social desempenhado pelos cursos de pedagogia com forte tradição crítica ao papel da escola na sociedade capitalista? Como não tem força política para fechar os cursos de pedagogia existentes nas universidades públicas paulistas – o que seria mundo ideal de Maria Helena G. de Castro, será que o governo quer ferir mais uma vez a autonomia universitária ao criar uma universidade virtual, na qual todo e qualquer projeto de educação à distância para ser aprovado, deve passar pelo aval do Executivo Estadual e não mais pela comunidade acadêmica?
O segundo aspecto obscuro a ser discutido é a abrangência do público-alvo. Por que tais cursos destinam-se fundamentalmente à formação de professores? Será que a intenção do governo estadual é a de fazer alguma concessão aos professores (ampliação da titulação) com a preservação das péssimas condições de trabalho dos mesmos? Quer o governo estadual constituir uma base de apoio perdida pelos efeitos deletérios das políticas educacionais dos governos tucanos no Estado com a promessa de que a obtenção do título garantirá por si só melhores condições de trabalho? Se a opção é instituir a EaD como solução “razoável” para a expansão da universidade pública, por que não ampliar a abrangência do público-alvo? Ou ainda, por que não pensar a EaD como processo de formação complementar ao ensino presencial?
O terceiro aspecto obscuro diz respeito à verba destinada ao Programa Univesp. O governo estadual prometeu destinar R$ 25 milhões por ano ao Programa Univesp. Esse dinheiro não irá sair da parte da arrecadação do ICMS concedida pelo Estado de São Paulo às universidades públicas paulistas. Como afirmou o próprio governador: "Não estamos tirando verba das universidades. Deveríamos fazer isso, porque é para o ensino superior público, mas não estamos.” Fica claro, portanto, que em vez de ampliar o valor do repasse de ICMS às universidades públicas, o governo do Estado preferiu adotar uma medida que impede a execução desse repasse. Do jeito que está, a verba destina ao Programa Univesp ficará vulnerável à mudança de conjuntura e de governo. Ademais, é preciso observar que o o governo estadual quer imprimir uma política que centraliza e concentra no Executivo Estadual não só as diretrizes pedagógicas, como indicamos acima, como também as diretrizes orçamentárias, expressando assim mais um ataque à autonomia universitária e a concretização da prática do autoritarismo civil típico dos governos neoliberais.
Se o dinheiro destinado ao Programa Univesp não sai dos repasses da arrecadação do ICMS para as universidades públicas paulistas, nada garante que o governo estadual abra concursos públicos para a contratação de docentes e funcionários, visando atender as novas demandas criadas pela abertura de vagas na EaD. O que tem sido anunciado é a articulação de um programa de educação à distância pautado na política de precarização dos contratos de trabalho (caso dos tutores dos cursos) e de gratificações sem aumento do salário base dos professores (caso dos professores com projetos aprovados pela Secretaria de Ensino Superior). A consequência dessa política é nefasta, pois à medida que negocia a abertura de vagas nas universidades públicas paulistas sem a contratação de professores e funcionários por concurso público, o governo Serra parece querer promover um amplo processo de sucateamento das universidades públicas paulistas.
O quarto aspecto obscuro do Programa Univesp é o que tem relação com o uso das tecnologias. Não estamos pensando aqui no processo de apendicização do homem à máquina, mas sim nos convênios que o governo estadual tem assinado com o capital imperialista nos últimos anos. Em texto publicado na Revista da USP, em 2008, Carlos Vogt, um dos idealizadores do Programa Univesp, afirma que o ambiente virtual de aprendizagem escolhido para implementar esse programa será o TIDIA-AE (Tecnologia da Informação para o Desenvolvimento da Internet Avançada – Aprendizagem Eletrônica). Além disso, “esclarece” que será construído uma rede de telefonia gratuita de atendimento aos alunos (as conhecidas linhas 0800). É curioso notar que o primeiro projeto foi elaborado pela Fapesp e entrou em funcionamento em 2001, prevendo, desde então, a constituição de “parcerias com empresas do setor de telecomunicações e a criação de uma rede de fibras ópticas de alta velocidade para conectar municípios paulistas. A rede funciona[ria] como campo de testes para pesquisas encaminhadas ao programa e implementadas pelas redes acadêmicas”.
Pois bem, a partir de 2007, a Fapesp passou a firmar convênios com o Grupo Telefônica e com o Instituto Microsoft Research. No convênio com o Grupo Telefônica, ficou estabelecido que a Telefônica cederia uma rede de fibras ópticas com 3,3 mil km no Estado, que poderia ser usada “por 3 anos (renováveis) para interligar pesquisadores dos laboratórios de instituições de ensino e pesquisa e empresas ligadas ao Projeto KyaTera (projeto do Programa TIDIA), numa plataforma experimental de alta velocidade”. Curiosamente, os valores destinados ao Grupo Telefônica pelo governo do Estado não foram disponibilizados no “ambiente virtual” e o governo quer nos fazer acreditar o Grupo Telefônica, mais conhecido como campeão de reclamações no Procon, fez essa “bondade” sem nenhuma contrapartida.
Já no convênio com o Instituto Microsoft Research, a Fapesp destinaria US$ 400 mil para um projeto de pesquisa em tecnologia da informação. O maior beneficiário desse convênio era obviamente a Microsoft. O que é interessante observar é que os acordos entre instituições estatais estaduais e a empresa do megamilionário Bill Gates não pararam por aí. Cinco dias após a promulgação do decreto da Univesp, mais precisamente no dia 14 de outubro de 2008, o governo Serra firmou um convênio com a Microsoft, visando garantir correio eletrônico gratuito para todos os estudantes e professores da rede estadual. Resta saber, quais eram os interesses ocultos dessa transação, uma vez que qualquer um pode ter acesso a uma variedade de correios eletrônicos gratuitos disponíveis na Internet. Por que dar prioridade à Microsoft? Como ainda assegura os termos do convênio, a parceria também “proporcionará (sic) aos alunos do Centro Paula Souza acesso a um portal de ensino à distância com o software Learning Essentials, com dicas sobre redação e formatos de relatórios e apresentações e conteúdo básico de inclusão digital, além de acesso gratuito a ferramentas de desenvolvimento da Microsoft”, bem como aos estudantes de computação, “treinamento gratuito de capacitação para o mercado de trabalho, denominado Students to Business (S2B)”. O governo estadual afirma que essa parceria não terá qualquer custo para o Estado. Mas, mesmo que admitíssemos esse conto da carochinha, por que esse governo priorizou a Microsoft? Mais um fato não esclarecido no “ambiente virtual”.
Em resumo, o decreto que deu origem à Univesp parece ter o objetivo de criar uma base de apoio no seio das camadas médias interessadas no processo de formação e, ao mesmo tempo, fundar uma importante base de acumulação para o grande capital imperialista no Estado de São Paulo por meio do uso das tecnologias de informação e comunicação produzidas por empresas estrangeiras. Isso quer dizer que ao apelar para o discurso da democratização do acesso à educação pública, o governo estadual consegue um relativo respaldo social para implementar sua política educacional que, no fundo, visa atender prioritariamente os interesses dos grandes monopólios ligados à área de tecnologia de informação e de comunicação. Isso parece indicar que o consórcio do Programa Univesp abrange muito mais entidades do que o governo tem anunciado, pois o Programa Tidia, que viabilizará a Univesp, só poderá ser executado se receber suporte material dos grandes grupos multinacionais. Colocada nesses termos a discussão sobre EaD empreendida pelo Programa Univesp ignora completamente o uso dos softwares livres.

Conclusões e indicações de medidas a serem tomadas

O debate a ser enfrentado não pode de modo algum dissociar o Programa Univesp do conjunto da política educacional do governo Serra. Um estudo mais sistemático sobre as relações entre EaD, grandes monopólios e governo do Estado deveria ser realizado a fim de desmascarar o argumento supostamente democrático que vem acompanhando a criação do Programa Univesp. Caso contrário, corremos o risco de defender um modelo de expansão da universidade pública que, no fundamento, estará muito mais voltado para o atendimento dos interesses dos grandes monopólios do que das classes populares.
Tudo leva a crer que a educação à distância pode ser um importante instrumento para complementar o ensino presencial – não para substitui-lo -, garantindo, assim, o acesso à universidade pública. Ocorre que o modelo de EaD da Univesp procura fomentar uma estrutura de dependência tecnológica ao capital estrangeiro, ampliar a lógica de precarização dos direitos trabalhistas e forjar uma concepção tecnicista de educação (vide declarações das intelectuais tucanas). Quem tiver a oportunidade de ler o Ante-projeto de criação do Programa Univesp perceberá pela sua linguagem que este mais se parece com um manual de eletroeletrônico do que com um projeto de expansão da universidade pública. Nele não encontramos nenhuma discussão político-pedagógica de fundo que balizaria o Programa, tal como podemos encontrar, por exemplo, no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná, voltado para a formação continuada dos professores da rede básica, que com todos defeitos que pode ter, possui uma proposta pedagógica clara e razoável. Numa rápida passagem do documento-síntese do PDE paranaense podemos encontrar uma informação que parece não ter recebido a mínima atenção governo de São Paulo ao implementar o Programa Univesp. Diz o documento: “A implementação de um novo modelo de Formação Continuada exige um período de transição, pois implica mudanças na cultura das instituições e no modo de pensar e estruturar a formação que não ocorrem por meio de decreto ou de mecanismos puramente burocráticos.”
Para concluir e visando estimular o debate crítico sobre o Programa Univesp, apresentamos algumas medidas alternativas à política educacional do atual governo de Estado, que são necessárias para a expansão de fato das universidades públicas paulistas, entre elas destacamos:

* a criação de um fórum de discussão da EaD que envolva ampla participação da sociedade e refute qualquer projeto educacional que queira se estabelecer pela via do decreto;
*a utilização de softwares livres nos cursos de educação à distância que, caso sejam utilizados, devem ser implementados como complementares – e não substitutos - ao ensino presencial;
* a abertura de vagas para alunos em cursos presenciais e semi-presenciais nas universidades públicas paulistas;
*a abertura de concursos públicos para a contratação de professores (em regime dedicação integral à docência e à pesquisa) e de funcionários efetivos ;
* a criação de novos cursos noturnos;
* o aumento do repasse do ICMS às universidades públicas estaduais. Cabe lembrar aqui que a ampliação do repasse do ICMS às universidades públicas chegou a ser aprovada pela Assembléia Legislativa, em 2006, mas foi vetada pelo então governador Cláudio Lembo no último dia de governo, entre outras medidas.

Falamos em outras medidas, pois não temos a mínima pretensão aqui de construir individualmente uma pauta que, no nosso entender, deve ser formulada coletivamente.

Campinas, 17 de junho de 2009.

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